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A simbologia do machado de duas lâminas é poderosa na tradição de matriz africana.

Para ilustrar essa potência, a Iyalorixá do candomblé Marli D’Sàngó nos traz este artigo que conta um pouco da história do Oxé de Xangô, a arma que empresta sua forma ao prêmio que será concedido aos griôs e griottes no encerramento do Novembro Antirracista Unificado.

Confira:

“Alguém um dia me disse que ‘se Òòrísá fosse sagrado ou santo não usava armas. Imagine dois machados ….’

Oba Sàngó, Xangô, Sòngó ou Shàngó, o rei de Oyó; “Sa” quer dizer “senhor” e seu sufixo “ango” (AG + NO = “fogo oculto”) e “Go”, o equivalente a “raio” ou “alma”. Sendo assim, “Sàngó” traduz-se como “senhor do fogo oculto.”

Sàngó era muito másculo, viril, esnobe e justiceiro.

Gostava do poder e é do poder que ele fazia nascer e morrer.

Então … sou feita de Oba Sàngó, o meu òòrísá regente, sentada no pilão, no Candomblé ketu tradicional.

O meu santo e sim sagrado que usa dois oshès (machados) com lâminas duplas como seu símbolo principal. Uma arma sim, que simboliza as duas faces de todos os fatos que se concretizam no mundo. A dualidade da vida e da morte; da verdade e da mentira, do bem do mal; da ação e da inércia; do justo e do injusto … um duplo etéreo que há em tudo o quanto possa se pensar e concretizar.

Entretanto, a sua maior característica é de simbolizar a justiça e a misericórdia, não atuar apenas a favor de uma pessoa, mas de todos; precisamente a partir do fato de representar dois opostos.

O trovão também é seu símbolo, lembrando o poder e a autoridade do òòrísá que atua na justiça e lei divina.

Qual delas cada um de nós escolherá para viver, já que a justiça se divide, a misericórdia não. Ela expressa a dor que um ato concreto produz e onde surge a manifestação desse sentimento. Como um pedido de perdão por um erro impensado, roga pela indulgência, graça ou clemência daquele que tudo anota, como um Promotor de e da Justiça.

Conhece da lei divina e das suas consequências, registra o acerto e o erro, provas e os fatos. Nada lhe escapa.

Com seu imenso coração e sentimento, analisa as alegrias, as dores e solidariedades com relação a todos; analisa as tragédias pessoais ou daqueles que caíram em desgraça; sente dó, compaixão, piedade sim.

Escuta as vozes daqueles que clamam os livre de castigos, de atos de violência ou da morte. Oba Sàngó não repudia Òòrísá Ikú, o mais fiel à Olódùmarè, mas repudia a parte fria que ele traz às nossas existências.

Ele é a chama que arde e o fogo que evapora a água; que cria, da lava quente novos espaços sobre o mar e terra. O fogo, que é usado para invocar a proteção de Oba contra doenças, morte e má sorte. O fogo, que queima, renova, atrai luz, ilumina o caminho, aquece, permite nutrição: é salvação, energia vital, transformação.

Mas também representa uma força difícil de domar, perigosa e destrutiva, mas purificadora.

‘Sàngó cai no fogão e brinca com brasas.’ Sua ira é sempre incontrolável, mas é na justa medida e no clamor de seu povo que torna a acalmar-se para acalentar e levar a Olódùmarè os seus registros.

Oba Sàngó não julga, jamais. Só quem julga e profere sua sentença é Olódùmarè, que entrega para Ògún executá-la, doa a quem doer. Está decretado! Oba Sàngó observa, luta pelos seus, é duro nas suas resoluções, mas mesmo no erro, se pedirmos de coração, por reconhecimento e correção de nossos atos, ele avalia e é no seu abraço acolhedor que encontramos força para vencer a tudo, todos que nos combatem.

Por isto, apenas pela nossa decisão, o livre arbítrio respeitado, que em seus oshés com dupla lâmina, não é apenas uma arma que luta pelo seu povo, mas também um aviso, um alerta claro que em tudo que há sobre a terra, há multiplas realidades e apenas dois caminhos a escolher.

Qual você irá escolher?
O grande Oba que unificou nações e criou o rito à Egungun.
“Kawó Kàbyèsìlé! (Permita-me vê-lo, Majestade!)
Oba nisè kawô!”