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A luta das mulheres no movimento sindical foi tema da segunda edição da Formação Feminista do Sindjus, realizada no dia 16 de março na sede do Sindicato dos Bancários em Porto Alegre. Organizada pelas Secretarias de Comunicação e Formação do Sindjus em parceria com o Coletivo feminista Não Me Calo, a atividade contou com dezenas de participantes, entre trabalhadoras do Judiciário e sindicalistas de outras categorias profissionais.

Na parte da manhã, as palestrantes Suzana Veiga e Manoela Veras abordaram a luta das mulheres trabalhadoras sob a perspectiva histórica e destacaram a importância de resgatar a presença das mulheres na História do sindicalismo no Brasil e no mundo.

A historiadora Suzana Veiga pontuou, no início de sua apresentação, os conflitos existentes da equivocada interpretação do conceito de trabalho, que durante séculos invisibilizou o trabalho desempenhado no ambiente privado, de cuidado, educação, alimentação, na maioria sempre desempenhado pelas mulheres, e com papel fundamental na criação de condições para a subsistência do próprio sistema capitalista. Nesse sentido, identificar a divisão sexual do trabalho foi e é fundamental para se pensar a dinâmica das relações laborais com as devidas especificidades e diferenças entre homens e mulheres.

“A ideia de que as mulheres estavam apenas no espaço doméstico é uma ficção”


A professora também apontou o processo de apagamento e invisibilização da participação histórica das mulheres nos registros oficiais e a necessidade de buscar o reconhecimento do papel das mulheres em todos os processos revolucionários históricos, principalmente nas lutas que foram fundamentais para as conquistas de direitos da classe trabalhadora. Inclusive, a organização das mulheres em movimentos operários relaciona-se com a participação massiva de mulheres e crianças na força de trabalho do contexto da revolução industrial, e por serem considerados trabalhadores inferiores, representavam mão de obra barata e explorada.

 

Neste sentido, a própria definição do 8 de março como dia Internacional da Mulher tem relação direta com a internacionalização da luta dos movimentos de mulheres operárias de diferentes países que lideraram frentes de reivindicação pela melhoria das condições de trabalho e remuneração, por dignidade e igualdade. No cenário nacional, citou a primeira greve geral da história do Brasil, que ocorreu em 1917 e na qual as mulheres já estavam na linha de frente, reivindicando direitos como licença maternidade, auxílio creche e salários iguais.


Racializando a história das mulheres sindicalistas

A internacionalista Manoela Veras, segunda palestrante do seminário, dedicou sua apresentação a trazer luzes para a luta das mulheres trabalhadoras no Brasil. Se num primeiro momento, as mulheres nos ambientes fabris eram consideradas mão de obra barata e de fácil substituição (o que contribuiu para a massiva presença delas no trabalho nas fábricas), a situação exigiu a organização das trabalhadoras em torno da luta por melhorias, o que levou à criação, em 1932, do Decreto de Trabalho das Mulheres (1932) conquistado com a luta de diferentes setores, para exigir que empregadores propiciassem licença maternidade, igualdade salarial, fim da jornada noturna, limitação do tempo de trabalho, entre outras demandas. 

 

Esse conjunto de exigências levou à consequente redução na contratação de mulheres nos espaços formais de trabalho, “empurrando” parcela significativa desse grupo novamente para o trabalho limitado aos espaços privados. Há ciclos históricos que evidenciam esse movimento, pontuou Veras; ao primeiro sinal de crise, as primeiras e mais afetadas com retirada de direitos são as mulheres. Isso é sentido ainda na atualidade, como ocorreu no contexto da pandemia, em que as mulheres foram a maioria das que “perderam seus empregos e suas vidas” e foram obrigadas a assumir, dentro das casas, todas as tarefas (de criação, cuidado, educação, limpeza, alimentação, etc) enquanto aos homens foi possibilitado o maior desempenho do aprimoramento intelectual e profissional.

 

A palestrante também abordou a necessidade de atenção sobre a divisão racial do trabalho, que historicamente relegou às pessoas negras, em especial às mulheres, as tarefas mais subalternizadas e pior remuneradas. Essa condição traz impactos sociais profundos que ainda mantém um cenário de brutal desigualdade na presença de mulheres negras em postos de trabalho em diversos setores. No entanto, pontuou Manoela, desde o início da organização do mundo do trabalho, as mulheres estiveram presentes, em movimento e em luta por melhores condições.  


Nesse sentido, Manoela buscou apresentar a trajetória de mulheres negras que lutaram no movimento sindical brasileiro e se destacaram pelo pioneirismo em suas áreas de atuação. Assim, trouxe às participantes a trajetória de  Laudelina de Campos Melo, fundadora da Associação das Empregadas Domésticas, primeira do segmento no país. Defensora dos direitos das mulheres e da população negra, militante comunista filiada ao PCB e uma das criadoras da Frente Negra Brasileira, entidade que chegou a contar com mais de 30 mil filiadas e filiados ao longo da década de 30.

 

Outra grande revolucionária apresentada no seminário foi Almerinda Farias Gama, advogada, jornalista, fundadora do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Distrito Federal, militante feminista. Participou do movimento sufragista e integrou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Foi a única representante mulher, entre 270 delegados classistas, a votar na Assembleia Nacional Constituinte em 1933.

 

Ao longo de sua palestra, Manoela Veras destacou diversos trechos de falas da antropóloga e ativista feminista negra Lélia González, uma das principais intelectuais brasileiras e pioneira nas discussões teóricas de gênero e raça.  

 

Sindicalismo nos dias atuais ainda traz desafios não vencidos

 

Na parte da tarde, a programação do Seminário buscou abordar os desafios do presente para as mulheres no movimento sindical. A bancária e diretora da CUT-RS, Isis Garcia, fez uma análise da luta no sindicalismo sob sua perspectiva de mulher negra e compartilhou com as participantes diversas reflexões sobre como vencer os obstáculos que ainda se impõem, como priorizar as reivindicações das mulheres em um cenário ainda amplamente dominado por dirigentes homens e em que esses temas são considerados pautas identitárias: “A nossa pauta não é identitária, é social. Nossa pauta é transformadora”, declarou.

 

Isis, que também representa o RS no Conselho de Gênero, raça, orientação sexual e acessibilidade da Confederação Nacional dos trabalhadores do Sistema Financeiro, falou também sobre a necessidade de buscar um “sindicalismo real” em que a subjetividade das mulheres seja respeitada e considerada. Ela enfatizou a importância das direções sindicais serem efetivamente representativas da classe trabalhadora, com a participação de mais mulheres, negras e negros em posições de liderança e comando das entidades e na política em geral.

A dirigente fez uma ponte entre as principais lutas comuns a todas as categorias e como fortalecer, através da união de esforços, a inserção social dos sindicatos e seu impacto sobre a política e a vida das pessoas. É fundamental, para tanto, “sair da bolha” dos interesses individuais das categorias e pensar a luta sindical no sentido da transformação social: “o que a gente quer no sindicalismo é garantir que todas, todos e todes tenham um trabalho decente”, pontuou, defendendo que sindicatos devem utilizar recursos e visibilidade para dar voz e estrutura a movimentos sociais e categorias ainda marginalizadas do mundo do trabalho, como a grande massa de trabalhadoras e trabalhadores informais, que buscam como recurso de sobrevivência a pejotização e a uberização.

 

Mulheres no Judiciário: maioria das trabalhadoras, minoria nas direções sindicais

 

A diretora do Sindjud-PE e da Fenajud, Carolina Lôbo, discorreu sobre novas formas de pensar o sindicalismo, rompendo com a lógica do patriarcado segundo a qual existe uma postura e uma expectativa pré-definida sobre como devem ser dirigentes sindicais. 


“O sindicalismo tem que ter a cara das mulheres”


Ao apontar fatores que ainda dificultam a presença e permanência de mulheres no mundo do sindicalismo, muito masculino e com exigências muito próprias da predominância masculina nesse espaço, a diretora defende que a ampliação da participação feminina nas direções tem que ser definida como política. Usou como exemplo seu sindicato de base, o Sindjud-PE, que em seus 34 anos de história, teve apenas uma presidenta.

Em seguida, pontuou elementos que podem favorecer a participação das mulheres nos sindicatos,  sendo a formação dos coletivos uma iniciativa que fomenta a troca de saberes, vivências e a identificação e desenvolvimento de interesse e potencialidades para contribuir na luta sindical. “A lógica masculina de governar o mundo é uma lógica de destruição, a gente precisa construir uma outra lógica”, que deve ser reverberada em todas as instâncias de poder. 


Essa compreensão da realidade e da necessidade de repensar todos os modelos vigentes também passa pela  aceitação de que não existe um perfil de sindicalista com características atribuídas ao gênero, mas algumas características necessárias a todos, como coragem, vontade de aprender, saber trabalhar coletivamente e ter capacidade de se indignar com as injustiças. 


A diretora de Formação do Sindjus-RS, Maíz Junqueira, apresentou dados sobre a realidade do Judiciário que reforçaram as falas de Isis e Ana Carolina sobre a necessidade de maior participação das mulheres nos espaços de liderança e tomada de decisões. E ponderou a importância da construção de alternativas para esse caminho, baseadas na coletividade na cooperação entre mulheres, rompendo com a estratégia do patriarcado de enfraquecer as lutas femininas ao estimular a segregação e a competição. “Nós estamos construindo esse espaço para nos fortalecer como coletivo e fortalecer umas às outras”, concluiu. 

 

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