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Entre os inúmeros desafios que se colocam na pauta da bancada negra na Assembleia Legislativa, a proposta que pretende tornar imutáveis os símbolos do estado (PEC 295/2023) gerou grande preocupação para o movimento negro. Esse tema foi debatido na noite de segunda-feira (19) no Plenarinho da ALRS em reunião com dezenas de lideranças dos movimentos sociais, sindicais e os três parlamentares, Bruna Rodrigues (PCdoB), Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSOL). 

O deputado Matheus Gomes explicou em linhas gerais o teor da proposta, de autoria do bolsonarista Rodrigo Lorenzoni (PL), e o processo de tramitação de projetos que visam alterar a Constituição do estado. Matheus, que é historiador, ponderou também sobre o papel dos símbolos na manutenção das narrativas, no caso do RS o processo de apagamento histórico e de desvalorização da importância do povo negro na formação social e cultural do estado. Isso se traduz na tentativa de manter, sem possibilidade de alteração, no hino riograndense, a estrofe racista que diz “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Neste sentido, a proposta do deputado de direita e filho do ex-ministro Onyx Lorenzoni tem viés de afronta à luta do povo negro e caráter autoritário e antidemocrático.

Sobre o mesmo tema, tramita na Casa o projeto de Luiz Marenco (PDT), segundo o qual as alterações nos símbolos devem ser objeto de referendo popular. Matheus lembrou que há um precedente importante, ocorrido nos EUA em 2020, quando após a morte violenta de George Floyd, homem negro, por policiais, a população do Mississipi alterou, por meio de referendo, a bandeira do estado sulista que foi um dos que mais tardiamente reconheceu os direitos do povo negro.

Para a deputada Bruna Rodrigues, seria natural que o debate sobre o hino tivesse sido trazido pela bancada negra, mas não sem antes dialogar com o movimento negro para construir coletivamente uma posição. Vinda da extrema direita, constitui “um ataque explícito à negritude” a tentativa de proteger a manutenção do hino com teor racista, que “fala de forma mentirosa” sobre o povo negro. “Nós sabemos que fala sobre a gente, que povo é esse que vocês dizem que não tem virtude? É o mesmo povo que vocês massacram cotidianamente, que morre nas periferias da cidade, que não tem acesso á saúde, que não tem acesso à educação, que enfrenta a negligência do estado”, declarou Bruna, completando: “não somos obrigados a seguir perpetuando uma violência contra nós mesmos”.

Por meio da iniciativa da PEC, destacou, “querem tirar do povo negro a chance de se ver representado no hino”. A parlamentar enfatizou a importância de ampliar o debate na sociedade e defende que a entrada da bancada negra no Legislativo já aponta um avanço de consciência da população, que entendeu a importância de ver representada na política uma parcela do povo gaúcho até então ausente. Porém, salientou, além de intensificar a mobilização social, é necessário organizar também a articulação política junto ao Parlamento e ao Governo do Estado para tratar do assunto. 

Para a deputada Laura Sito, a ascenção política da comunidade negra trouxe à pauta o debate sobre o hino riograndense, o que por si só já representou uma primeira derrota da extrema direita. Ao não se levantar durante a execução do hino nas sessões legislativas na Câmara de Vereadores e agora no Parlamento, a bancada negra provocou um movimento de desacomodação de atores sociais e políticos e deu destaque para o assunto, ponderou Laura. Nessa medida, a proposta de Lorenzoni viria como uma resposta à chegada de uma bancada negra ao Parlamento e, ao mesmo tempo, uma preocupação, maior do que o próprio mérito, em promover capital político junto à sua base conservadora. 

Dezenas de representantes do movimento sindical e social que participaram da reunião trouxeram contribuições sobre o tema e apontaram a necessidade de unificar esforços para ampliar a visibilidade da luta. Ao final da reunião, foi definida a realização de audiência pública promovida pela bancada negra para discutir o tema e, ainda, a criação de uma comissão reunindo representantes dos mandatos parlamentares e dos movimentos para tratar exclusivamente da questão do hino, encaminhar a articulação institucional e também as ações de mobilização social contra a PEC da imutabilidade. “Buscaremos o governador, o MTG os religiosos de matriz africana, pra fazer uma grande frente junto com a bancada negra, nesta e em outras pautas muito caras e importantes para o movimento negro do RS e do país”, pontuou Luiz Mendes, do Coletivo Pela Igualdade Racial do Sindjus (CIRS).

Calendário Antirracista Unificado

Também foi debatida a continuidade das ações conjuntas para compor o calendário antirracista unificado. Como próximas medidas, os movimentos reunidos tratarão das ações referentes ao Julho das Pretas e atividade alusiva ao 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha.