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Em sessão do Tribunal do Júri na comarca de São José do Norte, um promotor de Justiça declarou que o réu, um homem negro, “não teria cometido crimes se tivesse recebido chibatadas” quando mais novo. Isso não aconteceu no século XIX, mas no dia 28 de agosto de 2025. Alguns meses atrás, em março, um advogado referiu-se em petição a uma juíza, mulher negra, como “magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites”. Esses casos destacam-se pela crueldade da violência verbal, mas, sabemos, não são exceções, apenas feridas abertas de um sistema doente.

Quando dizemos que é preciso enegrecer a Justiça, como traz o título do  documentário produzido pelo nosso sindicato, estamos dizendo que é necessário destruir a lógica colonialista ainda presente no sistema de Justiça. Sabemos que a cor da pele de uma pessoa afeta sua visão de mundo porque afeta todo o conjunto de experiências de sua vida. Inclusive suas chances de exercer direitos, acessar melhores condições, espaços de decisão, instâncias de poder. Os números do Judiciário escancaram essa ausência; entre a magistratura, 1% de pessoas são autodeclaradas negras. Servidoras e servidores autodeclarados não chegam a 6% do total do efetivo¹. A população negra precisa estar representada, presente e ativa em todos os espaços. O sistema de Justiça precisa de mais advogadas e advogados negros, promotoras e promotores negros, de desembargadoras e ministras negras e negros.

Nessa perspectiva, a política de cotas é um aspecto fundamental a ser defendido. Mas é também necessário – e urgente – a discussão do tema agora, junto desses que hoje integram o sistema de Justiça para abolir, de vez, a perversidade que permite ainda, dentro dessa esfera, a perpetuação de práticas e falas que “açoitam” nossa condição humana. Seja nas decisões massivas contra a população negra, seja nas declarações nefastas de agentes do sistema, na invisibilização da desigualdade que atinge mais gravemente, pela negação de direitos, a vida de pessoas negras, mais da metade da população de nosso país. Enquanto não superarmos esses problemas, o sistema de Justiça seguirá funcionando sob uma ótica branca, colonial, cruel e ultrapassada. 

Para isso, é necessária uma transformação radical na forma de pensar e agir, dentro e fora do sistema de Justiça, compreendendo o papel deste sistema (e de todos e todas que nele atuam) no desenho da sociedade e derrubando os mecanismos de funcionamento que ainda legitimam a violência institucional contra o povo negro. O Sindjus, por meio de seu Coletivo Pela Igualdade Racial, luta e seguirá lutando por essa transformação. Lutando para enegrecer a Justiça. 

 

¹Dados do CNJ