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Com a participação de dezenas de sindicalizadas de diversas regiões do estado, foi realizado em Porto Alegre, neste sábado (22/10), o 1º Encontro de Mulheres do Judiciário, que teve como tema “Resistência, Poder e Combate ao Micromachismo”.

Ao longo de todo o dia, as participantes participaram de palestras sobre como como a opressão transpassa a história das mulheres, a importância de resistir, da organização em grupos e coletivos, além de oficinas de expressão corporal e dinâmica sobre o evento.

A abertura do evento foi realizada na noite anterior (21/10), com um baile à fantasia, que reuniu as participantes dos dois encontros realizados pelos Sindjus: do NAP e de Mulheres. 

 

História da mulheres e saberes para a luta sindical

Na parte da manhã, a doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Suzana do Nascimento Veiga apresentou um panorama sobre a representação das mulheres ao longo da história, pontuando as formas de apagamento e construção narrativa que consolidaram um “mito”, segundo o qual a mulher sempre esteve em condição de submissão e nunca teve papel decisivo na sociedade. “Quando a gente apaga a memória, a gente retira a autonomia do sujeito”, destacou, caracterizando o que chama de “memoricídio”. 

Segundo Suzana, a “história é como uma peça de teatro atuada, dirigida e escrita pelos homens”; a narrativa histórica foi construída para deixar as mulheres de lado. Uma vez que a história contribui com nossa visão de mundo, os mitos reforçam os papéis sociais esperados para a mulher. “Em todo o registro da História, o homem é colocado como sujeito universal”, pontua. A palestrante citou o trabalho de resgate realizado pela historiadora Gerda Lerner (autora de “A Criação do Patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens”) e pontuou que o apagamento histórico proposital da mulher é a base da consolidação da sociedade patriarcal. “A história das mulheres começou a ser escrita a partir da década de 1970, ou seja, ontem’”. 

A representação da mulher foi destruída, inclusive no contexto espiritual, com a eliminação do sagrado feminino muito presente na antiguidade. Além do apagamento, a narrativa compõe no imaginário social uma visão inferiorizada da mulher. Suzana trouxe exemplos de registros de diversos momentos da história no âmbito da política, religião e ciência, com a construção de uma imagem da mulher como ser inferior, imbecilizado, incapaz e de má índole. 

O mundo do trabalho sempre teve a participação da mulher, diferente do que a história oficial, conta. Destacou que em sua pesquisa encontrou evidências do protagonismo de mulheres inclusive na história do Brasil. A Capitania de Pernambuco, maior do país no período colonial, foi governada por uma mulher por 13 anos, conta. Ao mencionar as conquistas históricas da classe trabalhadora, destacou a importância da organização das mulheres que se organizaram politicamente e promoveram mobilizações decisivas para mudar o curso da história dos direitos trabalhistas. “O discurso nunca deve nos deter”, pontuou, ressaltando a importância da tomada do conhecimento para empoderar e fortalecer a luta das mulheres no dia de hoje e a transformação da sociedade.

 

Violência psicológica e resistência

Na parte da tarde, a violência psicológica foi centro do debate a partir da palestra da cientista Ligia Moreiras, que atuava como neurocientista, mas teve a vida impactada pela maternidade não planejada: “Já lutava contra a desigualdade, mas fazer parte de um recorte que nos exclui dos espaços me fez encontrar a vida das mulheres”, afirmou, relatando mudou a carreira e decidiu fazer um doutorado em Saúde Pública, no qual passou a estudar a forma como a violência afetava as mulheres e crianças, e também a escrever em um blog (Cientista que Virou Mãe) sobre maternidade e política.

“Existe uma forma de violência que a gente não vê, que é a violência psicológica”, destacou Lígia, citando o quanto essa situação ainda é minimizada: “não existe fingir que não viu, quando é a sua alma que está destruída”. 

Segundo a cientista e escritora, o índice de depressão entre as mulheres é quatro vezes maior no cenário pós-pandemia. Além do cenário político e social, ela também destaca que o problema está na base e formação, onde as mulheres sofrem com a opressão e as diversas formas de violência, no entanto, o “mundo capitalista continua a nos violar, com medicações que nos tiram a depressão, mas nos incentivam a seguir nesse ciclo”.

Para a cientista, a violência psicológica tem o fator do silenciamento, no qual as mulheres não se sentem detentoras de direitos e “isso vai fazer você deixar de ocupar todos os espaços que te pertencem”. Além disso, ela citou também como sintomas da violência psicológica questões como o abuso do consumo de álcool, anedonia (que é a perda de capacidade de sentir prazer com coisas que antes dava alegria) e alteração no padrão alimentar, que não está relacionado ao peso, mas sim ao padrão de composição nutricional

Neste sentido, Ligia Moreiras destacou a importância das mulheres ocuparem os espaços, se fortalecerem na luta coletiva, auxiliando umas às outras para ajudar no reconhecimento do violência psicológica: “Vamos olhar para as mulheres que estão ao nosso redor e aos sintomas, não podemos estar desconectadas uma das outras”, complementou,  “tomem para vocês fazer a revolução e lutar contra essa maneira violenta que estamos vivendo”. 

Por fim, ela destacou a importância de falar como forma de enfrentamento a essa violência: “As atitudes não precisam ser radicais, pode ser paulatina, estudando esse tipo de situação,  até o dia que você conseguir falar sobre ela e então você começa a revolução. E quando você fala, alguém que se sentia invisível começa a falar também. Eu estou aqui porque consegui falar”. 

“Vamos transformar a inquietação em coisas práticas, pois vamos precisar. A gente não pode parar agora. Espero que construam as células de resistência. A gente precisa reconstruir esse país e construir política de verdade, com formação para as crianças e adolescentes”, finalizou, convocando cada uma para ser multiplicadora. 

 

Diálogo entre as mulheres de outros sindicatos

Para abordar a importância da participação das mulheres na luta sindical, foram convidadas dirigentes de sindicatos parceiros: Ana Carolina Lôbo, pelo Sindjud/PE e Fenajud, Andrea Ferreira, coordenadora-geral do Sindjus/PR e Cristiane Müller, do Sinjusc. As sindicalistas relataram os principais desafios ainda colocados para as trabalhadoras que atuam na luta política e as conquistas da classe trabalhadora.  

Primeira mulher negra a coordenar o Sindijus/PR, Andrea Ferreira pontuou a importância dos espaços de representatividade. Apontou a necessidade da paridade na composição da direção e da superação das barreiras machistas presentes inclusive na estrutura da política sindical para possibilitar a participação de mais mulheres na organização. “Quando pegamos o microfone, nós precisamos pensar antes de falar, não podemos errar”, mencionou, ilustrando a pressão enfrentada por mulheres no meio sindical e reforçando a necessidade da união para ampliar a ocupação desses espaços.

Ana Carolina Lôbo, diretora de comunicação do Sindjud/PE e coordenadora de Gênero, Etnia e Geracional da Fenajud apontou algumas linhas sobre o trabalho de fomento à maior participação das servidoras da categoria dentro das entidades sindicais nos estados e exaltou a presença das mulheres nas conquistas da classe trabalhadora. Nesse sentido, pontuou, é importante a atualização da estrutura sindical a fim de reduzir os obstáculos para a presença da mulher. “Nós mulheres somos 59% da força de trabalho no Judiciário e a gente ainda não é representada dessa forma no espaço sindical”, denunciou, mencionando que ainda há sindicatos sem nenhuma mulher na direção.

A diretora do Sinjusc, Cristiane Müller, relatou o processo de construção do Coletivo Valente, grupo de servidoras sindicalizadas que hoje é a maior força dentro da entidade. Como resultado direto dessa mobilização, pela primeira vez no estado a eleição sindical traz uma mulher concorrendo à Presidência da entidade (a assistente social Carolina Rodrigues Costa). A representatividade das mulheres na composição da direção também foi pontuada na fala da dirigente catarinense. “Os ambientes de poder ainda têm muito forte uma questão de violência” que acaba por afastar as mulheres, ponderou. 

 

Intervenção artística

A artista Deborah Finocchiaro apresentou parte do número “Substantivo Feminino”, juntamente com a  doutora em etnomusicologia e compositora Clarissa Ferreira, trazendo leituras de textos escritos por mulheres e músicas com temática feminina. A atriz também realizou uma oficina de comunicação e expressão corporal, com exercícios sobre projeção da voz e do corpo. 

Ao longo de toda programação também foram inseridos vídeos com a leitura de poemas e textos de trabalhadoras da Justiça gaúcha. E também foi pintado um painel pelas participantes.

 

Dinâmica

O encerramento do Encontro teve uma dinâmica conduzida pelas profissionais do Núcleo de Saúde, médica do Trabalho Jane Reos e pela psicóloga Thielle Müller, em que foi disponibilizado um painel com diversas palavras, e solicitado que as participantes escolhessem uma expressão. Em um círculo, cada uma foi chamada para fazer uma avaliação do Encontro e das expectativas e encaminhamentos para o próximo período.

 

 

 

Veja a galeria de fotos do Baile à Fantasia:

Baile à Fantasia | Encontro do NAP e de Encontro de Mulheres – 21 de outubro de 2022