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O papel do Poder Judiciário na conjuntura social, política e econômica do país e os desafios da atualidade foram centro dos debates no seminário de formação sindical realizado pela Fenajud em parceria com o Sindjus/RS nesta quinta-feira (1) em Porto Alegre. Representantes de sindicatos de trabalhadores da justiça de diversos estados e servidores de vários municípios do RS participaram da atividade, que contou com três painéis temáticos.

O primeiro painel, “O Papel do Judiciário na Atual conjuntura e sua Democratização”, teve explanações da juíza do trabalho e presidenta da Associação Juízes pela Democracia (AJD), Valdete Souto Severo, e do ex-governador do RS e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro. Na abertura, o diretor de relações de trabalho e assuntos jurídicos do Sindjus, Valdir Bueira, mediador do painel, destacou a importância de discutir a democratização do Judiciário, enfatizando que a ampliação do controle social sobre ele é uma luta antiga da categoria: “é o poder que administra o segundo maior orçamento público do Estado, e acreditamos que ele merece ter um controle mais efetivo pelos cidadãos que o mantêm”, pontuou. A coordenadora de comunicação da Fenajud, Adriana Pondé, também na mediação, ressaltou a importância das atividades de formação sindical para fortalecer a luta da categoria.

Em sua fala, a juíza do trabalho Valdete Souto Severo apresentou um panorama do cenário político após a ditadura militar. Esclareceu, porém, que não houve um ajuste de contas sobre este período, uma vez que a abertura democrática “nunca rompeu efetivamente com as raízes dos poderes políticos econômicos que já ditavam as regras do jogo” no período de exceção. Sobre a conquista da Constituição Federal, Valdete apontou que o texto constitucional é um projeto de Estado e estabelece objetivos claros, como reduzir desigualdades sociais, garantir dignidade humana e combater a pobreza. A Constituição também deu força ao poder Judiciário para efetivamente se constituir como poder contra-hegemônico e garantir os direitos dos cidadãos. Mesmo assim, a magistrada destacou que alguns dispositivos jamais foram cumpridos e, na conjuntura atual, as garantias constitucionais são sistematicamente ignoradas. “Não vivemos mais numa realidade comprometida com aquilo que se construiu em 88”, pontuou. A juíza questionou, ainda, o papel do CNJ, que de mecanismo regulador, tem trilhado um caminho perigosamente tendencioso rumo à censura e perseguição política.

Valdete também denunciou o processo de desmonte dos direitos trabalhistas, materializado pelas reformas trabalhista e da Previdência, e a tentativa de demonização dos servidores públicos, com uma clara intenção por parte do atual governo de desvalorização das instituições de Estado. “Vivemos uma realidade distópica. Temos cada vez mais desempregados, as pessoas cada vez trabalham mais e recebem menos, consomem menos e mais uma vez se pede que a classe que vive do trabalho pague a conta”, apontou, condenando a proposta de reforma previdenciária que determina que a maior parte da economia projetada venha justamente do comprometimento dos trabalhadores que ganham menos. Nessa medida, o enfrentamento aos desafios postos passa necessariamente por um processo de mudança de mentalidade e de cultura para mudar o próprio sistema, não sendo admissível que a geração atual se furte ao debate e à luta contra os retrocessos. Quanto ao Poder Judiciário, a magistrada sustenta que este não pode contribuir com o estado de exceção e defende que ele “assuma seu papel na democracia para retomar o projeto de sociedade que seja realmente inclusivo, fraterno e solidário, como nos comprometemos a fazer em 88”.

O ex-ministro da Justiça Tarso Genro fez uma explanação sobre as transformações históricas do modelo socioeconômico global e o processo de dominação do sistema financeiro sobre as democracias, o comportamento da sociedade e até sobre a formação de opinião dos indivíduos. Esse poder condiciona a grande maioria da sociedade a ver e pensar o mundo sob uma perspectiva orientada, a fim de atender aos interesses da classe dominante. Sobre o papel das instituições de Estado na deterioração da democracia no país, o ex-governador recordou o período da ditadura militar, em que ficou nítida a existência de duas faces nos poderes (inclusive o Judiciário), uma exposta e outra oculta, esta última agindo à margem da institucionalidade. “O sistema de justiça sempre funcionou no Brasil através deste jogo entre o oculto e o aberto”, salientou, apontando que esse “jogo” ficou mais evidente com os recentes vazamentos de conversas entre magistrados e procuradores da operação Lava-Jato.

 

Tarso trouxe também o exemplo do poder Legislativo atualmente formado como sintomático do processo de esgotamento do modelo político vigente. “Quando você vê no Congresso Nacional formar-se uma maioria política que comercializa seu voto sem saber no que está votando e faz reformas destinadas a destruir o estado social, será que não podemos intuir que a democracia representativa tradicional e o estado democrático liberal estão em processo de decomposição final?”, questiona. A essa desconstituição e à crise de representatividade, Genro atribui a ascensão de figuras autoritárias: “o sistema político fracassou, permitindo que o pacto democrático do Estado social afundasse de maneira inexorável”. Essa guinada, alerta, não se constitui em mudança na correlação de forças, mas atende aos interesses do capital financeiro, verdadeiro detentor do poder e quem dita as regras da sociedade, com a clara intenção de promover uma polarização ainda mais aguda entre os que gozam de condições de vida satisfatórias e direitos plenos e os que são condenados à miséria e à morte. Ao ser questionado sobre o processo de automatização e introdução de novas tecnologias no âmbito do Poder Judiciário, Tarso Genro enfatizou que a tendência, já em curso, traz o questionamento acerca dos limites do poder de controle, alertando para os riscos do emprego de mecanismos aparentemente benéficos com finalidades diversas, ampliando a insegurança sobre a possibilidade de controle autoritário das instituições. Ao final de sua reflexão, provocou: “é preciso se perguntar: quem controla os controladores?”.

Após as exposições, Valdete Souto e Tarso Genro responderam a questionamentos dos participantes sobre os temas abordados.